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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Um cigarro, um conto e um suicídio.

A última noite.


Solidão... eu sou feito dela. Agora é mais fácil de perceber. Mas isso não é nada novo ou digno de admiração, minha percepção se dar apenas por estar só. Somos feitos daquilo que mais sentimos. O meu cigarro é a única companhia, pousado suavemente no cinzeiro. A fumaça branca subindo lentamente e descrevendo alguns círculos no ar antes de desaparecer por completo. É tão mais fácil para ela, apenas: surgir do fogo, voar livre e em seguida desaparecer no nada. Tudo mais singelo e infame, sem sofrimentos ou choros desnecessários. Já a minha vida não é assim. Eu nasci do nada, mas sou obrigado a viver entre o tudo. Não tenho tanto valor quanto o que me cerca, mas eles estão à meu mercê. Seria uma prova da injustiça no mundo? Não sei.
Mas sei que a noite já estar chegando ao fim, a luz do sol entra pelos espaços da cortina e cortam a sala em pequenos feixes. Não tenho tanto tempo para escolher, não o quanto desejava. A vida é feita de escolhas, começa em uma escolha única e essa se desenrola em muitas... Um círculo grotesco de escolhas e decisões erradas. Grotesco, sim, mas não infinito. Mas o pior é que não são apenas as minhas escolhas que me afetam, as pessoas ao meu redor fazem com que as próprias “escolhas” me tirem dos eixos certos. A minha esposa, por exemplo, escolheu me deixar. Ir porta afora, viver em um mundo de realidades que me assustam e em uma verdade onde eu não quero habitar. Enquanto eu escolhi viver em uma fugaz película de ilusões, o mundo fantasioso da minha mente. Percebam... apenas escolhas, escolhas erradas. Não me atrevo a dizer quem errou, mas afirmo com certeza que sempre existem escolhas erradas, sejam solitárias ou em conjunto.
Mas vamos pular algumas partes de minha história, não a acho digna de importância. A única coisa que pode fazer com que ela se torne digna de lembrança são esses últimos minutos. Por isso escrevo. As minhas mãos suam, meus olhos derramam as lágrimas que tanto desejei.

— Droga! Manchei o papel. —

Não tenho o porquê de continuar assim, me diga de que serve o tanto sofrer se ele não tem um objetivo? A minha vida inteira foi sem sentido. Apenas acordar, organizar minha aula, tomar uma xícara de café e jogar um pouco de conversa fora. Creio que a única coisa que me manteve todo esse tempo foi o amor dela, mas ele não existe mais. O homem tem o enorme talento de acabar com tudo que lhe é importante.
Agora estou aqui. Frente a minha escrivaninha. Uma caneta, alguns papeis, um revolver e várias lágrimas são o que me resta. Quero usar ao menos os primeiros itens para algo que tenha alguma utilidade. Entendam o meu sofrer e não me julguem. Também não tenham pena de mim. Apenas me entendam. Sou um miserável ser sem saída, o leste e o oeste me levam ao fim. Em vida tive duas companhias, a filosofia e meu amor. A primeira nunca me abandonou e a tenho em meu último momento. A segunda, bem... é por ele que estou aqui.
Eu te amei em todos os momentos da minha vida, te desejei em cada segundo puro de viver. Agora não posso mais te ter, então, por lógica, é o fim. Um homem nasce para uma mulher, eu nasci para ti e morrerei por ti.
A angústia não me deixa continuar, então apenas entenda uma coisa:
“Eu te amo, sempre te amei. Sempre te amarei e nunca te esquecerei. Sou parte de um tudo por te amar, e serei parte de nada por te querer. O amor não tem começo, já se nasce com ele. Mas tem um fim, um sublime fim. Eu estou neste final e ainda te amo.”

O revolver disparou às 5:45 da manhã.





Uma pequena nota de rodapé:
Este conto não tem o mesmo objetivo de outros. Não tem a função de narrar uma pequena historia mantendo um clímax do começo ao fim. É uma obra mais humilde. Apenas um monólogo fictício de um perturbado personagem que vive em mim.

9 comentários:

  1. Como contista nn julgo perfeito. *-* Muito bom mesmo, sabe o quanto gosto de textos assim, então amei. rs

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  2. Correção: Como contista (ou quase), julgo perfeito. *-* Muito bom mesmo, sabe o quanto gosto de textos assim, então amei. rs

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  3. Parece que eu estava vendo os últimos momentos da vida dele, meio que senti tudoo que ele estava sentindo, percebi com ele que já não havia mais nada além do fim, que a razão da vida dele não existia mais que não adiantava mais lutar contra os seus sentimentos naquele momento.

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  4. Não sei o que comentar, mas li tudo.
    Ficou legal, mesmo eu sendo contra as pessoas sofrerem pro amor :)

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  5. Olá Rogério, estou te presenteando com um selo através do meu blog "Sex, Love and White Lies". Ficaria lisonjeada se você o recebesse.
    Segue abaixo o link do selo: http://sexloveandwhitelies.blogspot.com/2010/08/sunshine-award-1-selo.html

    Admiro muito as suas composições.
    Com carinho, Yara.

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  6. Meu deus ! perfeito! as descrições e a filosofia do personagem ,eu parecia estar sentindo tudo que ele sentiu . Tá demais *-* parabéns !

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