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domingo, 21 de agosto de 2011

O vazio, a borboleta e a humanidade.





Tenho dentro de mim um vazio do tamanho de minha consciência, um medo do tamanho de minhas verdades. Emoções fúteis e de pouco proveito, um desejo de morte baseado em sonhos que nunca tive. E rastejo sempre em busca de algo que nunca vou encontrar... Um dia fui borboleta, hoje sou lagarta.
E aquele sorriso egoísta, daquela pobre senhora, balançando a minha frente. Ela continuou a sorrir, enquanto esvaziava meu cartucho de magoas em sua mente. Me olhou enquanto me deliciava com seus olhos, e engolia parte por parte de sua consciência. Ela não errou em acreditar em mim, eu errei em desfazer de suas crenças. Minh’alma inquieta é que sempre erra. Solvida em desejos infundados de momentos tolos.
E aquele olhar claro, da pobre criança que me encarou. Ela era inocente, enquanto eu estuprava seus conceitos e lhe oferecia novas convicções. Ela não entendia minha perversão e eu, vil, sempre vil, não ligava para sua infantilidade. Bebi seu sangue como vinho, mergulhando sua carne como pão. A única coisa que me assustou foi a inocência mantida no antro de ilusões de meu ser.
Sou sempre quem erra, nunca acertei na vida. Morri antes de nascer, por crer na simples promessa de viver depois de morrer.

A campainha tocou pela última vez naquela noite, meu convidado de honra resolveu juntar-se a mim. O meu sorriso verdadeiro, minha alegria falsa, foi o que mostrei. A face de minhas ideias já cravada em seu peito e a dor da solidão já encrustada em seu ser.
— Você sempre viveu assim?
Ele me perguntou, enquanto o sangue de sua ironia manchava meu rosto.
— Ame seu semelhante e será feliz.
Aconselhou-me, no momento que eu fazia de seus ouvidos caminho para a faca afiada de minhas lembranças. Que tolice recitar aquilo para aquele que mais amou no mundo. Para aquele que morre todo dia pelos pecados que nunca cometeu. Eu amo meu semelhante, doutor, mas onde posso encontrar alguém igual a mim?
Minhas ilusões ocupam grande parte de mim, alimentando-se do que sou e devorando os sonhos de meus companheiros. Sou humano, só sei trair. Nunca irei acertar. Minha única certeza é que não tenho certeza de nada.
No final, ele não saiu da minha casa. Morreu sobre as falsas verdades que devia propagar. Podre ele e seu deus... Podre eu e minha humanidade.

Em minhas mãos sangue de tantas crenças inocentes e em meus olhos lágrimas por tantos deuses mortos. Despi-me perante tamanha provação e me entreguei para todos aqueles desejos. Eu sou um anjo de luz que caiu depois de tropeçar em seus próprios passos, vitima de meu egoísmo.
Encontrei por fim um cachorro, com tanta humanidade em seus olhos que me fez chorar de verdade. Tão belo animal, mais humano que eu e mais humano que qualquer outro. Ele não acreditava em mim também, um cachorro que já se encontrou e é apenas uma lagarta que um dia será borboleta. Enquanto eu borboleta era, e sem asas sou menos que verme.

Morri feliz, sabia? Pois descobri que em um animal vive um humano melhor que o homem.


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